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Proibição da pesca vai deixar 16 mil sem emprego em MT, diz pesquisadora

Vinte colônias serão impactadas com Lei do Transporte Zero; perdas devem se aproximar de R$ 7 mi

Por: Redação Fonte: RD News
19/06/2023 às 22h04
Proibição da pesca vai deixar 16 mil sem emprego em MT, diz pesquisadora

Com a aprovação do Projeto de Lei "Transporte Zero", que propõe a suspensão da pesca em Mato Grosso por 5 anos, 16 mil pescadores de 20 colônias de pesca serão impactados diretamente no Estado, perdendo seu principal meio de subsistência. A projeção é que a mudança nas regras da atividade gere uma perda de até R$ 179 mil mensais para o segmento da pesca artesanal. Ao final da proibição, o prejuízo deve chegar próximo a R$ 7 milhões.

Os dados foram apontados em uma nota técnica elaborada por pesquisadores e representantes de 24 instituições. O documento foi enviado aos gabinetes dos deputados da Assembleia Legislativa (ALMT), onde tramita o projeto, a Casa Civil e ao Ministério da Pesca, com o objetivo de que o PL1363/2023 saia de pauta.

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O projeto que altera a Política da Pesca no estado foi aprovado em primeira votação na ALMT no início deste mês. O PL prevê que durante os cinco anos seja permitida somente a pesca na modalidade “pesque e solte” e as capturas de peixes às margens do rio destinados ao consumo no local ou de subsistência. A proposta também estabelece uma ajuda financeira aos pescadores profissionais durante três anos três anos, contados a partir de 2023, sendo um salário mínimo no primeiro ano, 50% do salário mínimo no segundo ano e 25% do salário mínimo no terceiro ano.

“Serão mais de 16 mil pescadores que irão perder seus empregos e serão impactados também os familiares que dependem desses pescadores, somando mais de 96 mil pessoas. Além disso, não é só mudar o emprego, estamos falando de mudar o modo de vida. O pescador artesanal tem a pesca como principal meio de vida”, explica a pesquisadora, doutora em Ecologia e Recursos Naturais e conselheira do Cepesca, Luciana Ferraz, uma das especialistas responsáveis pela nota técnica.

De acordo com o estudo, os pescadores impactados estão distribuídos em 20 colônias em três bacias hidrográficas: Alto Paraguai, Araguaia-Tocantins e Amazônica. Eles estão em 20 cidades, conforme dados da Federação de Pescadores de Mato Grosso:

- Bacia do Alto Paraguai: Nobres, Rosário Oeste, Barão de Melgaço, Várzea Grande, Cuiabá, Santo Antônio do Leverger, Rondonópolis, Cáceres, Poconé, Barra do Bugres e Tesouro;

- Bacia Araguaia-Tocantins: Barra do Garças, Porto Alegre, São Felix, Araguaiana e Santa Terezinha;

- Bacia Amazônica: Juína, Vila Bela da Santíssima Trindade, Sinop e Peixoto de Azevedo.

Um valor de R$ 6,8 milhões em renda da pesca artesanal deixará de ser gerado nos cinco anos que a lei ficará em vigor. “Esse valor é imprescindível para a manutenção social e econômica dos pescadores e do comércio local da pesca. Os estoques pesqueiros dos rios de Mato Grosso são necessários para manter a população alimentada e acima da linha da pobreza”, diz trecho da nota.

Segundo o estudo, o atual cenário não justifica a proibição da pesca por cinco anos, mas a necessidade de ampliação do efetivo de fiscalização ambiental nos rios do Estado, promoção da educação continuada e multas aos infratores.

Sem consulta prévia

Conforme cita Luciana Ferraz, os pescadores artesanais como povos originários não foram consultados de maneira prévia conforme assegura a OIT 169, antes da proposição da suspensão da atividade profissional da pesca. “Os maiores impactados não foram sequer ouvidos. Esta imposição às comunidades tradicionais provocará de forma coercitiva e cruel uma mudança drástica no modo de vida dessas populações, aumentando a vulnerabilidade social, cultural e econômica dos pescadores artesanais, amadores, difusos e de subsistência, ampliando a marginalidade social do grupo”, afirma.

Conforme aponta a Nota Técnica, na economia pesqueira atual e partindo do pressuposto que um pescador artesanal pode capturar até 125 kg de pescado por semana, que é comercializado a um preço médio de R$ 20/kg, os ganhos mensais poderiam chegar a valores superiores a R$ 10 mil.

“Entretanto, a ausência de fomento financeiro para a atividade, o tempo das pescarias, a ausência de portos livres e gratuitos para a pesca, o custo da logística das pescarias, o modo de vida do pescador artesanal, suas relações com os peixes, rios, familiares e culturais, enquanto povos originários ou tradicionais os condicionam a pescar independente de atingirem a cota determinada pelo regramento”, diz o documento.

Para os pesquisadores, manter a pesca é assegurar a manutenção de todo o período reprodutivo preservando a conectividade dos rios e a consequente migração dos peixes (Piracema), o recrutamento do estoque, protegendo as áreas de reprodução e de crescimento.

“Um Estado que está preocupado com a conservação e sustentabilidade dos estoques pesqueiros deve assegurar políticas públicas e ações de fiscalização, para a contenção do desmatamento, redução de empreendimentos hidrelétricos, ações necessárias para salvaguardar o recrutamento do estoque pesqueiro e para manter a vida dos peixes migratórios”, afirmam no estudo.

Auxílio financeiro

Outra crítica feita pelos pesquisadores é do auxílio pecuniário de três anos que serão pagos aos profissionais.

“No primeiro ano da moratório da pesca, o pescador artesanal cadastrado no Repesca receberia o equivalente a um salário mínimo (R$ 1.320) que equivale a 66 Kg de pescado no mês, vendido a R$ 20/kg, menos que a cota atual de direito a pescar por semana [...] Comparando as grandezas entre os cálculos atuais de R$ 10,7 mil mês e a oferta de R$ 1.320 por mês proposta pelo PL percebe-se o tamanho da desconsideração às comunidades tradicionais e profissionais da pesca”, cita trecho.

No segundo ano, o auxílio seria meio salário mínimo (R$ 660) e no terceiro ano 25% de um salário mínimo (R$ 330).

“Excluir por cinco anos uma atividade profissional é um desrespeito ao direito de escolha profissional, o auxilio não é indenização, nem será pelo período de suspensão da pesca”, diz o documento.

Pesca difusa

Também foi identificado que o pescado tem um importante papel na segurança alimentar e renda indireta para um grande contingente de pessoas em situação de vulnerabilidade, bem como para pescadores de subsistência da Bacia do Alto Paraguai.

Segundo o estudo, existe uma intensa atividade pesqueira praticada por moradores locais, que não são pescadores profissionais, e que pescam para subsistência e/ou lazer, que denominaram de “pesca difusa”. Dentre as pessoas praticantes da “pesca difusa”, cerca de 23 mil pescam diariamente ou quase todos os dias e cerca de 183 mil pescam de uma a duas vezes por semana. A maioria pesca em barranco, nos rios próximos por um período do dia ou no máximo por um dia, evidenciando que essas pessoas foram “pescar o almoço”.

“Os pesquisadores atribuíram preço ao pescado da “pesca difusa” e estimaram em R$ 1.473,35 o valor médio anual da renda indireta de cada morador pescador, portanto maior do que um salário mínimo. Os pesquisadores estimaram, também, o valor médio total da “pesca difusa” na Bacia do Alto Paraguai em surpreendentes R$ 1,44 bilhões, dentro de uma margem de erro que varia entre R$ 453 milhões e R$ 2,44 bilhões”.

Por outro lado, o PL1363/2023 apoia a modalidade Pesque e Solte, em detrimento das outras modalidades de pesca. “No discurso dos tomadores de decisão a prática do Pesque e Solte é considerada politicamente correta, conservacionista, sustentável para os peixes nativos dos rios de Mato Grosso. As condições para a gestão pesqueira ser conservacionista e sustentável não é proibir uma ou outra modalidade de pesca do rio por 5 anos, são proposições e estabelecimento de políticas públicas pesqueiras, adaptadas a realidade dos pescadores e dos recursos pesqueiros das bacias hidrográficas de Mato Grosso”, diz o estudo.

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